Quando a dor no peito me oprime, corre o ombro, o braço esquerdo, surge nas costas, tumifica a carótida e dá-lhe um calor que não gosto; quando a respiração se acelera em busca duma lufada que a renasça, o medo da morte afinal se escancara (medo-mor, tamanha injustiça, torpeza infinita), aperto a mão da Irene, a sua mão débil e branca. Quero acordá-la. E digo : «não me deixes morrer, não deixes...» Penso para comigo, repito para me convencer: «esta pequena mão, âncora de carne em vida, estas amarras suas veias artérias palpitantes, este peso dum corpo e este calor, não me deixarão partir ainda...» E aperto-lhe a mão com força, e acabo às vezes por adormecer assim, quase confiante, agarrado à sua vida. Ah, são as mulheres que nos prendem à terra, a velha terra-mãe, eu sei, eu sei ! São elas que nos salvam do silêncio implacável, do esquecimento definitivo, elas que nos transportam ao futuro, à imortalidade na espécie (nem teremos outra) pelo fruto bendito do seu ventre (eu sei, eu sei...)
Luís Pacheco ("Comunidade", Contraponto, 1964)
Morreu Luís Pacheco. Não encontro palavras para evitar lamechices que ele detestava. Esteve internado há muitos anos nos HUC onde o Aníbal Sales, meu companheiro de realização das primeiras aventuras cinematográficas, o conheceu. Conheci um outro Luís Pacheco através do Sales que, também ali internado, me deu uma outra imagem do escritor. Foi há mais de 30 anos e a diferença de idades entre o Sales e o Pacheco era maior do que o tempo que entretanto passou. De qualquer forma o Sales até já partiu há 4 anos sem me dizer nada. Devo-lhe, também, um outro saber sobre o Luís Pacheco.
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Francisco em 7.1.08