No sábado passado, dia 4, morreu Lee Hazlewood. Recebi a notícia, via e-mail, vinda de Porto Santo. Estranha e enviesada história ? Não. Simples acaso.
Estranha é a música de Lee Hazlewood. Explico melhor. Quando interpretada por outros (para quem ele fez a maior parte das canções) é uma coisa. Por ele, é outra completamente diferente. Está na voz a grande diferença. Lee Hazlewwod era fundamentalmente um compositor e produtor discográfico, mas quando resolveu entrar nas suas próprias criações, houve algo que mudou. E muito.
Não fora a reverência confessada nos anos 90 pelos Sonic Youth, Tidersticks e Nick Cave, por exemplo, e talvez o final da sua vida tivesse passado despercebido. Seria injusto. Muito injusto.
Lee escreveu êxitos comerciais esmagadores, como "These boots are made for walkin'" (1966), cantado por Nancy Sinatra. E devo dizer, muito claramente, que uma cançãozinha como aquela, no contexto dos anos 60, NÃO era nada pirosa/pimba. Leve, sim. Pimba, não.
Quando resolveu cantar em duo com Nancy, tudo se tornou diferente, mais de dentro, profundo e muitas vezes inquietante. Comparados com alguns duos mais ou menos angelicais da época, Lee e Nancy eram bem mais terrenos !
"Some velvet morning" é o melhor exemplo. Tendo conhecido várias versões (foi escrita para os Vanilla Fudge), a original, com a voz cava de Lee, sempre teve e terá um lugar especial no coração da IF. No último disco - Cake or dead (2006) - reeinventou-a por causa da neta, a quem deram o nome de Fedra, embora ela julgue, docemente, que a Fedra que o avô canta na canção "já" era ela.
A verdade é que Lee Hazlewood era um iconoclasta, desencantado, sarcástico, que teve uma longa carreira durante os anos 50 como dj em várias rádios locais, passando depois a produtor discográfico. Também teve a sua própria editora, mas depois do êxito planetário de "These boots are made for walkin'", porque não era, nem queria ser, mainstream, começou a ter problemas no meio discográfico e em 1968 toda a gente influente já lhe tinha virado as costas.
Começou então a sua aproximação à Europa, em particular aos países nórdicos. Em 1970 foi viver para a Suécia, para evitar que o filho fosse mobilizado para a guerra do Vietnam. Gostei. Aliás, Lee sabia o que era a guerra. Em 1950 tinha estado na Coreia.
Dizem que influenciou o célebre produtor Phill Spector. Acredito. Escreveu êxitos para Duane Eddy, Dean Martin e o próprio Frank Sinatra.
"A marriage made in heaven" (1993), dos Tindersticks, é inspirado no seu "Sand" e foi mesmo uma homenagem a Lee, já que na capa do single aparece a sua fotografia.
Em 1999 regressou às actuações ao vivo (já não o fazia desde 1974), em Londres e na Escandinávia. Mais uma vez suportado pela banda do seu amigo de sempre Al Casey.
A sua versão de um tema que de facto não era dele - You've lost that loving feeling - é outra das pérolas escondidas da IF. Mostrou-se várias vezes no duo com Nancy Sinatra e revela-se aqui em baixo, na televisão sueca (1968), com Siw Malmkvist.
A propósito : Lee Hazlewood também fez televisão, em especial na Suécia, e chegou a ganhar um dos mais importantes prémios internacionais do meio.
Na Universidade estudou Medicina, mas acabou por desistir. Cumpriu o destino dos apaixonados : casou com a namorada do liceu. Confessou que muitas vezes tinha que voltar a escrever as letras das canções, porque inicialmente elas eram inteligentes de mais !
Morreu sábado, com 78 anos, nos arredores de Las Vegas, depois de ter vivido em meio mundo, entre os EUA e a Europa. "I've been around long enough now. I've lived a pretty interesting life - not too much sadness, a lot of happiness, lots of fun. And I didn't do much of anything I didn't want to do."
Meritoriamente, o jornal Público deu-lhe grande destaque no P2. Escusava era de titular : "O crooner arrumou as botas". Também discordo das rotulagens de "cantor de charme ambíguo" e "cowboy da country-pop". Diz ainda a redactora : "Hazlewood morreu - logo agora que o bigode voltou a estar na moda". Percebo muito bem a intenção com que o diz. Mas não gosto. É assim um bocado ligeirinho - onda geração laracha, programa da manhã ... e tal. Espertice. Sarcasmo para o sarcástico ? A K.G. não percebeu nada ? Receio que não. "Some velvet morning" ... talvez.